domingo, 4 de janeiro de 2009

Aquilo de guardar

Tentava puxar o fio para chegar ao final da linha e descobrir então o motivo. Aquilo que já havia sentido mas não sabia o que era. Era sentimento recorrente, mas que há tempos não fazia mais parte de si. Nunca entendeu o que levava ele, talvez em alguns momentos tenha achado que entendia. Mas não. Agora era questão de honra entender o que lhe causava aquilo.
Sabia com todas as certezas que a razão poderia lhe dar, que havia sido uma noite suprema. Cheia de entendimentos e clarezas, amizade pra toda vida. Sabia que talvez não houvesse ninguém no mundo que lhe visse com tanta clareza, que lhe olhasse tão fundo, que pudesse enxergar sua alma e descobrir seu reflexo. Talvez ninguém desenrolasse tão fácil os fios emaranhados dentro dela. Pensou em ficar só nisso, desenrolando seus fios, ouvindo os fios dele que pareciam tão lisos, linhas retas. Mas não ficou. Nunca haviam estado tão próximos. Nunca tinha visto de tão perto sua alma. A dele e a sua. Tinha medo do que dizia, por isso às vezes preferia só ouvir. Receava sua alma não interessar tanto a ele quando a dele a ela. Ouvia e percebia que ele era sim de carne e osso, assim como ela. Com dores e desamores, paixões e reações. Já achou, antes, que ele era de outro mundo. Talvez fosse maneira de se proteger inventando que moravam em mundos diferentes. Mas não, moravam na mesma galáxia, falavam e entendiam as mesmas coisas, mas ele ainda parecia, de algum jeito, estar um plano acima. Talvez fosse só parecesse.
Encantou-se com o abrir de sua alma. Da dele. Não achava que fosse merecedora de conhece-la tão de perto. Ele parecia saber e entender de todos os seus males, dizia serem um só, mas não dizia o que era. Ela sabia que era dela a responsabilidade de tudo. De descobrir e desfazer os males, ou o mal.
Pode ter sido a melhor conversa vivida, tempo que não se passava, poderia ficar ali uma eternidade entre a luz vinda da rua e o gato na janela. Podia ser daí o motivo daquilo. Querer eternizar o momento. Querer fazer perdurar aquilo que já tinha passado.
Continuava então a batalha com aquilo. Batalha sendo perdida. Por mais que pensasse com a mente dele, mente que pensa no agora, que vê que a beleza do momento não precisa ser perpetuada, tem de ser vivida. Por mais que tentasse se encaixar na alma dele, não conseguia. Aquilo continuava pulsando, como veia.
Ainda era uma questão de honra, depois da noite vivida, tirar aquilo de dentro de si.Para que outras como aquela pudessem acontecer, mais clarezas, mais troca. Não queria mais aquilo. Queria ficar com a beleza vivida, deixar fluir e não querer guardar pra si. Mas queria. Tinha a péssima mania de querer perpetuar tudo. De guardar dentro de um pote para que não fugisse e pudesse recuperar no momento que lhe desse vontade.
Apesar de serem do mesmo mundo, não eram da mesma matéria, não eram feitos um para o outro, e ela sabia disso. Mas a proximidade daquela noite desconcertou os relógios. De novo.
Queria acertar o seu e voltar a ser como era antes. Ponteiros acertados. Hora certa, segura.
Sabia que já havia sentido aquilo antes, que era situação recorrente, mas precisava entender para se libertar. Era matéria de perpetuação? Ou medo de ser tão livre como ele? Ainda não conseguia desembolar os fios.
Mas ninguém desenrolava seus fios tão bem quanto ele.

Nenhum comentário: