segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Porta de Saída

Tentou sair por onde tinha entrado. Não encontrou saída. Precisava então desenhar uma porta para que saísse ilesa, sem nenhum arranhão. Era impossível. A porta pela qual tinha entrado era larga, leve, bem aberta, desses portões de casa de . Com tão pouca sabedoria em desenhar portas não saberia fazer uma que lhe desse tanto conforto. Então era uma certeza: iria sair machucada.
Mas tinha que sair. O ar ali dentro já se tornava intragável, os dias começavam a ficar intermináveis e o gosto já não era como o de antes. Antes ela ia experimentando o gosto, o cheiro, o ar. Ia pisando em ovos, agora pisava em vidros.
Decidiu então desenhar e construir a porta, com toda a força que lhe sobrava e, por mais que lá fora o ar já não fosse tão doce, iria se levantar da pequena porta e se acostumar a vida nova um dia já vivida. Não tinha sido uma decisão fácil, afinal, decidir não era das melhores coisas que fazia. Morria de medo do outro lado ser melhor, de abdicar de um para ficar com o outro. Mas aí se lembrava que sempre sabia o era melhor para si. E decidiu.
Pegou o lápis preto (já não havia mais lápis colorido lá dentro), a pá, a tesoura, e foi desenhando, construindo e recortando sua nova porta de saída. Há que ter muita vontade pra se construir uma porta nova. Talvez ela não tivesse tanta coragem assim, o que tinha era medo de se afundar lá dentro, cada vez mais.Tão fundo, tão fundo, que uns dias ela até esquecia o quão ruim era ficar lá dentro.
Mas uma brisa soprava no rosto e lhe mostrava, como quem diz: "ei! olha aí, não vá ficar por aí muito tempo!" E lhe jogava um punhado de areia nos olhos, para que o susto e a dor a levassem de volta a realidade.
Pronto. Porta desenhada, construída e recortada ela podia então sair. Foi chegando perto, chegando perto e... Opa! Bateu um vento e lhe arrastou de volta para dentro. Encostou a porta. E, como ela não era dessas que desistia fácil, foi de novo ao encontro da nova maçaneta. Abriu, se agachou, se espremeu, se arranhou e saiu.
Como era grande o mundo lá fora! - Pensou. Porque ficar tanto tempo presa num cantinho quando há tanta coisa para se ver?
E foi andando, andando, vendo ruas, avenidas, parques, árvores, praias, carros. Opa! Ai! Cuidado! Tanto tempo num pequeno quarto e não sabia mais andar por entre os carros, as árvores, era como se tudo fosse uma massa cinzenta. Não sabia mais por onde ir. Estava perdida.
Até que alguém lhe estendeu a mão, dizendo: " Vem, eu te ensino de novo!" Mas a mão estava longe. Ela teria que caminhar, se orientar, mas vendo a mão ao fundo, sabendo que quando chegasse lá, alguém iria lhe ajudar. E foi. Caminhando, caminhando devagar, olhando para os dois lados, andando na ponta dos pés. Mas quanto mais andava, a mão mais se afastava, era como a linha do horizonte. E então ela percebeu que a mão era apenas uma ilusão de ótica, uma forma de ajudá-la a se reerguer e reaprender a andar por esse velho mundo novo.

Um comentário:

Na Estrada... disse...
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