sexta-feira, 13 de junho de 2008

"O essencial não cabe nas palavras"




Durante todo o meu curso de Pegagogia, meus estágios e minha pós graduação, sempre ouvi falar da escola da Ponte. Sabia que era uma escola diferente, experimental que não tinha séries mas não sabia direito como funcionava aquilo. Fiquei encantada, curiosa e com muita vontade de conhecer.
Quando resolvi ir à Europa e que ia passar por Portugal, tive a certeza de que não podia deixar de visitar a tão falada Escola da Ponte. Marquei a visita e no fim da minha viagem passei por essa incrível experiência que irei vos contar.
A Escola da Ponte é uma escola experimental, não seriada, onde os alunos escolhem o que querem aprender. Eles se reunem por grupos e montam um plano quinzenal onde pesquisam, fazem fichas e tem uma meta a cumprir. Os professores ficam na sala à disposição dos alunos para perguntas e problemas. São vários professores em cada sala e algumas salas nem chegam a ter paredes como divisão. Os grupos trabalham silenciosamente, numa harmonia inacreditável para quem vive a realidade educacional brasileira.
Vocês podem dizer que isso não funciona, que o programa não é cumprido, que essa escola é uma enganação ou que não acreditam que algo assim possa ser realidade. Eu também não teria acreditado se não tivesse visto e principalmente vivido essa linda realidade.
Talvez enquanto estive lá, não tivesse conseguido digerir e entender o tamanho da importância da Escola da Ponte. Fiquei encantada, maravilhada, mas não conseguia entender muito bem aquilo que poderia mudar em mim.
Pois bem, eis que na minha reconfortante volta aos estudos me deparo com um livro de Rubem Alves sobre a Escola da Ponte. Para quem não sabe, Rubem Alves é psicanalista que escreve muito e muito bem sobre educação. Nunca tinha lido nenhum livro dele, já sabia que ele tinha um trabalho sobre a Ponte, mas nunca tinha tido acesso ao livro. E então ele estava ali, na minha frente, pedindo pra ser levado pra casa.
Li em uma tarde todas as crônicas e impressões de Rubem Alves sobre a Ponte e fiquei ainda mais encantada com a experiência que tinha vivenciado. Assim como eu, Rubem não acreditava que tal experiência pudesse dar certo.
Na escola da Ponte os alunos não são educados para a cidadania, eles são educados NA cidadania. As regras são feitas pelos próprios, escolhendo eles mesmos a "punição" para os "indisciplinados". Há uma assembléia toda semana para se debater problemas e debates acontecem todos os dias.
Nessa escola os alunos são formados para serem autônomos. Há nos murais das salas, listas com os títulos:"Posso ajudar em" e "Preciso de Ajuda..." . Ali os alunos se inscrevem para ajudar e serem ajudados, numa troca que independe de idade, série ou status.
Assim como Rubem, eu acredito nessa experiência, pois creio que formar, educar não significa somente acumular conhecimentos para serem depositados em provas, exames e etc. A Educação é algo muito mais amplo que isso. Muito mais intrínseco, enraizado e venal. Nas palavras de uma aluna da Ponte, que escreveu sobre forma de poema o que a escola representava para ela:

"Quando eu era pequenina
Acabava de nascer,
Ainda mais abria os olhos
Já era pra te ver

Quando eu já for velhinha
Acabada de Morrer
Olha bem para os mes olhos,
Sem vida, Te hão-de ver"

Esse poema me emociona profundamente assim como várias frases do escritor ao longo desse belo livro.Imagina o que é para uma criança dizer que o resto da vida e mesmo sem vida, a escola, algo tão odiado por alguns, vai estar lá, presente, incorporada, vivida. Acho difícil alguém passar pela Escola da Ponte e não se encantar dessa maneira. A não ser aqueles que são muito presos às tradições, as regras, aos modelos e não conseguem realmente enxergar a felicidade daquelas crianças.
Segundo Rubem:
"Escola da Ponte: um único espaço, partilhado por todos, sem separação por turmas, sem campainhas anunciando o fim de uma disciplina e o início de outra. A lição social: todos partilhamos de um mesmo mundo. Pequenos e grandes são companheiros numa mesma aventura. Todos se ajudam. Não há competição. Há cooperação. Ao ritmo da vida: os saberes da vida não seguem programas. É preciso ouvir os miúdos para saber o que eles sentem e pensam. É preciso ouvir os graúdos, para saber o que eles sentem e pensam. Sâo as crianças que estabelecem as regras de conviência: a necessidade do silêncio, do trabalho não perturbado, de se ouvir música enquanto trabalham. São as crianças que estabelecem mecanismoas para lidar com aqueles que se recusam a obedecer as regras."

No livro também podemos ler artigos da própria escola que, como não poderia deixar de ser, escreveu em conjunto um artigo em agradecimento às crônicas de Rubem Alves. Num dado momento eles dizem:
"a Ponte é uma passagem e a escola é uma ponte. A Escola da Ponte é uma escola, é uma passagem e uma ponte..."
Bom, não sei se consegui passar pra vocês o que é a Escola da Ponte, afinal acho que é impossível colocar em palavras o que foi visto, lido e vivido. Vivi mais um pouco a Ponte depois de ler esse livro. Mas se vocês imaginarem a paixão com a qual escrevi esse texto, talvez entendam um pouco dessa experiência.
Termino com uma frase que fica bem na porta da escola. É de Clarice Lispector:

"Mude, mas começe devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade."

Para quem se interessar:

ALVES, Rubem A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir
Campinas,SP: Papirus, 2001

3 comentários:

Anônimo disse...

Whoever owns this blog, I would like to say that he has a great idea of choosing a topic.

Elisa Almeida disse...

adorei!!! : ) Quem sabe ainda não enfrento esses comboios e vou lá conhecer? beijinhos querida!

Anônimo disse...

Agradeço pela publicação dos versos iniciais do meu poema MUDE, que estão na Escola da Ponte.

Mude,
mas comece devagar,
porque a direção é mais importante que a velocidade.
(...)

Mas Clarice não é a autora.

Livro MUDE publicado pela Pandabooks, com prefácio de Antonio Abujamra.

Mais detalhes no blog Mude.blogspot.com

Abraços, flores, estrelas..